sábado, 28 de janeiro de 2012

retrogosto

harmonizo teu desejo,
tua fúria,
tua busca,
com um tinto.
[safra desconhecida]
madeira,
capim molhado,
pétalas secas.

decantado
no escuro
de vários silêncios.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

besteirol



se vem com três pedras na mão
faça um canteiro.

se vai rodar a baiana
espere o carnaval passar.

se vai chutar o pau da barraca
espere chover primeiro.




percurso

o vinho contra a luz me diz que tudo está escrito e os incautos, como nós, em folhetins diários. roteiro mal acabado de escritor fracassado.[ Bandini]. e seguimos na tentativa de mudar o final da história. haverá final? o jogo da amarelinha tem lá seus mistérios.[ Cortázar]. tudo se resume ao primeiro contato. ao primeiro gole de oxigênio, o primeiro olhar, o primeiro passo, depois o tombo, o abraço, a paixão, o amor. a primeira descarga de adrenalina no peito e seu calor de mil bombas atômicas. continuamos buscando. e como tudo se resume ao mesmo círculo, o dilema mortal é: corremos atrás ou esperamos tudo passar aqui de novo? como se esse fogo que perseguimos fosse ônibus sem itinerário, a cura num remédio sem bula. tudo condensado no primeiro olhar, na primeira conjunção deste planeta com aquele. sinfonia cósmica que coube num abraço, olho no olho, num beijo esfomeado. sem beijos esfomeados a humanidade não anda. seguimos enganando o autor arrancando páginas, rasurando finais de capítulo, na vã ilusão de conforto. esquecemos que esta parte do roteiro já passou há exatos segundos atrás. incompletos seguimos. insatisfeitos, alimentados de projetos imperfeitos. como quem busca um beijo esfomeado, como quem busca o calor de mil bombas atômicas. como da primeira vez. e como será sempre.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

"só uso a palavra para compor meus silêncios"


(Manoel de Barros)

Provocações: Abujamra declama Mário Quintana

tuas mãos se abrem...
regendo orquestra de chuva
ou será de lágrimas?

envolvem teu destino
num abraço conhecido,
esquecido,
mas quente,
conivente...

tuas mãos apontam o caminho
ou será uma faísca de sol
refletida nos olhos
do desconhecido?

tanto faz
se é chuva,
lágrima
ou sol...

tanto faz se escolhemos
ou somos escolhidos...

o que faz sentido
ainda não faz parte da gente...

sábado, 21 de janeiro de 2012

florais de baco

vinho & poesia

uma coisa leva à outra.
rubras e rubis
uma taça inesquecível
religiosamente,
festivamente,
bacantemente.
depois da segunda taça
tudo é poesia
cantada,
declamada,
rascunhada no guardanapo.
evoé Baco!
salve os princípios terapêuticos
dos florais de Baco!

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

bebo do teu vinho - parte 3

sobriamente percebo:
és como vinho!
cada encontro
uma colheita.
misteriosa vindima ,
sutis fragrâncias ,
toques amadeirados ,
frutas vermelhas.

teu corpo exalando
inominados bouquets...
em cada gole.
pés descalços,
fermentações,
aromas febris,
línguas castigadas,
pelo retrogosto da saudade.

branco ou tinto,
dependes de sol...
hormônios em fúria,
dependes de chuva...


sob a luz,
decanto-te lenta...
fugaz,
sorvo-te sem pressa
até a embriaguez.

sabores agridoces,
tua boca tem o martírio
de todas as castas,
de todas as mãos castigadas
pela comunhão das uvas.


e nossa paixão,
taninos em luxúria,
envelhecerá
em leito de carvalho...

até a próxima taça.

nosso amor é árdua colheita

nosso amor é árdua colheita. semeamos inseguros toda sorte de terra. inseguros dia a dia a acreditar que vingue. que brote. que floresça. e quando estamos seguros do amor, do amor verdadeiro, que nos alimenta, que nos traduz, vem a tempestade, ventanias de setembro, a levar tudo embora. e de novo inseguros cortamos a terra. salivamos por chuva e sol. retomamos a lida dos incautos pelo coração derramado em semente. não há triste sina que não floresça. nem abraços. nem saudades. me descubro lavrador, com as mãos empipocadas, grossas feito um adeus, feito cachorro sem dono. feito silêncio. lavro a alma incendiada do passado de ontem como quem morde um pêssego. de néctar e lágrimas. sentindo sua pele, tuas veias no colo nu, seu gosto em minha boca de espanto. vigiando a doce espera. insegura como deve ser , mas cruel, árida e soberana. é preciso guardar as ferramentas no porão , embrulhadas nos lençóis de nós dois, da nossa loucura silenciosa e de fúria, como dois lavradores à espera do calendário. quem sabe na próxima virada da lua haverá certeza nas estantes da sala? e te amarei sem pressa, alucinadamente sem pressa, sem medo de perder a colheita. árdua colheita.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

sobre uvas e paixões

se as paixões não tem futuro,
vivo seja o presente.
não há uva
que saiba do seu gosto
até sentir a saliva quente,
que mortalmente a invade,
sentindo o gozo de seu nectar.

se as paixões não tem futuro,
vivo seja o presente.
não há uva que saiba do seu poder
até ser macerada, no fermento do tempo,
guardando sua essência para os amantes do vinho.

se as paixões não tem futuro,
o presente vive em mim.
em cada beijo, uva mordida,
em cada vinho, página lida,
corações feridos à espreita:
vigiando o sabor
da próxima colheita.

bebo do teu vinho II

o vinho desperta o mais profundo sentimento. não por acaso, talvez seja a bebida mais simbólica em contato com o ser humano. desnecessário alinhavar sua história ao longo dos séculos. antes mesmo da uva o vinho já nasce com a intenção. em qualquer canto do planeta, alguém se dispõe a cultivar o seu sonho de uva. sem a primitiva intenção do vinho, se em nossa alma estiver o silêncio da intenção. não sei quem primeiro a transformou na bebida que conhecemos hoje. talvez a epifania do primeiro gole, do aroma, da embriaguez, tenha elevado o homem à categoria do sagrado. o fato é que o vinho existe, de diversas origens, de diversas formas de se fazer, de se consumir, de se embriagar. não vou falar de simbolismo. a imensa simbologia cabe a cada um que o degusta. mas falamos de castas, de climas, de ocasiões, de aroma de frutas, de clima, e de sentimento. o mesmo sentimento que eleva o ser humano à categoria dos iniciados. o vinho, se corretamente apreciado, eleva a alma do bebedor à categoria de amador, no sentido amoroso da palavra. estilhaça os sentidos e nos faz elevar o espírito, antes da costumeira embriaguez. aguça os sentidos, como quem aponta um lápis, ou tira a roupa de uma mulher, ou de um homem. mas há que perceber sua alma e seu encanto. o vinho pede um ritual. outro dia, na praia, vi uma senhora pedir um copo de vinho. num quiosque. um copo americano até a boca, com vários cubos de gelo. não é desse vinho que estou falando. falamos do clima e da imensidão de sentidos, por trás deste simples ato de cheirá-lo, olhá-lo e degustá-lo. deus me livre desta imensa verborragia, mas é necessária. quer detestar tomar vinho? vá ao supermercado, namore os vários rótulos, escolha um, coloque no carrinho e siga. chacoalhando no carrinho, chacoalhando no porta-malas, finalmente chegue em casa, abra-o e tome. vai ser a pior experiência de sua vida. todo o processo, desde a intenção do homem em cultivar a sua uva, até o fundo do copo, cairão por terra, feito um meteoro desgovernado. não, não é assim! é o mesmo que paquerar alguém, sequestra´-la, enfiá-la no porta-malas, chegar em casa e sonhar que vai fazer amor com ela de maneira inesquecível. não. o vinho merece apreciação, namoro, identidade, descanso, longe da luz e do calor. beber do bom vinho é fazer amor com quem você mais ama, lenta e sem pressa, como diz a cartilha dos bons amadores, e por que não dizer, amantes.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

não saiu no raio x o que sinto.minto por um remédio controlado.deste lado do cérebro havia uma suspeita.dispensei passar de mão na cabeça e condolências de ocasião. no lixo procuravam por pistas do meu destino. ontem quase não me escapuliu a alma como de costume.estanquei lágrimas.congelei sorrisos. vigiava a madrugada esperando sol. nu, me cobria de lembranças. a boca seca engolia teus gemidos. nossa loucura me alimentava todo santo dia. segui coberto de lembranças e desespero. lembranças e desespero não saem no raio x.

Escolha de um Amigo - Programa Provocações Antônio Abujamra

bebo de teu vinho

bebo de teu vinho, e é tarde. e é a imensa tarde que flutua sob nossos corpos: cadafalsos, precipícios, cais de porto. do teu vinho decanto especiarias, trêmulas notas florais, sedutores frutos maduros. teu vinho, frasco esquecido nalgum escaninho, maldição cíclica dos amantes sem endereço: cegueira, analgesia, vertigem. e o espelho é só um relógio sem ponteiros. bebendo do teu vinho. grudados feito cães de rua. tarde rubra como o fundo de nossas almas misturadas. bebo toda a colheita sem pressa. a tarde levedando beijos e choques elétricos. bebo de teu vinho...

terça-feira, 17 de janeiro de 2012


paixões


enterradas vivas


germinam...


brotam...


e costumam


florescer silenciosas


na primavera..

sem trégua


sovado


até o esgotamento


massa descansando


fermentando


gavetas, livros,


qualquer lugar


que vigie


o esquecimento


levedando...


como quem puxa uma rede,


caça uma borboleta,


a bateia na areia do rio...


a massa crescida


arestas cortadas


vírgulas


estranhamentos


como quem corta cabelos


tosquia ovelhas


poda arbustos


forno


para isso


existem crepúsculos


noites de lua cheia


paixões desenfreadas


de línguas perdidas


despedidas


para repartir esse pão


é preciso ter fome


sempre

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

vernissage

os visitantes nos contemplam nas estátuas,
estamos fazendo amor,
em diferentes tempos,
vestes e sonhos.
nos quadros,
a luz do teu sorriso
compõe-se de estrada e desafio.
estamos nos corredores,
largados,
exaustos,
acordados do sono de ontem,
dos corpos em
furiosa luta,
de suor, saliva e sonho.
os visitantes fecham os olhos
para a paixão destruidora dos novatos.
todos querem o palpável,
o cristalino,
o que faz sentido.
não encontrarão
aqui nada que seja explicação:
somente as paredes
coniventes
do amor sem
tempo nem espaço.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

teus olhos

colecionamos tempestades:
lágrimas, silêncios, desejos.
no peito de âncoras,
tua voz de ninfa ,
despedaça a vertigem
dentro de nós...
colecionamos prazeres
de mel e espuma,
especiarias...
saudade do que é presente
e que habita o nosso sonho
de sempre...
procuro nos mapas,
nos diários,
um pedaço do céu
que nos guie,
que nos transforme
em algo mais leve
do que uma tempestade
quando rompem trovões
dentro de nós...
dentro de teus olhos...
incandescentes...
inexplicáveis...
lindos.
inexplicavelmente lindos.