quinta-feira, 14 de novembro de 2013

                                 carceri d'invenzione
                             (sobre quadro de Piranesi)

corto o ar denso de fumaça e pesadelos de infância. na vertigem das horas, 
lenta é a madrugada,  acordando flores e formigas. dentro de mim, dentro,
dói uma pedra, uma aresta cortante, uma falta de ar, um cheiro de morte.
esvazio gavetas, destruo coleção de besouros. de labirinto em labirinto me
rendo ao amanhecer. encaro a Medusa, solene como um cadafalso.
de pedra em pedra mais um dia bate suas asas. silenciosamente.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Sobre um Poema 

Um poema cresce inseguramente 
na confusão da carne, 
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto, 
talvez como sangue 
ou sombra de sangue pelos canais do ser. 

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência 
ou os bagos de uva de onde nascem 
as raízes minúsculas do sol. 
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis 
do nosso amor, 
os rios, a grande paz exterior das coisas, 
as folhas dormindo o silêncio, 
as sementes à beira do vento, 
- a hora teatral da posse. 
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço. 

E já nenhum poder destrói o poema. 
Insustentável, único, 
invade as órbitas, a face amorfa das paredes, 
a miséria dos minutos, 
a força sustida das coisas, 
a redonda e livre harmonia do mundo. 

- Em baixo o instrumento perplexo ignora 
a espinha do mistério. 
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne. 

Herberto Helder