quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

passagem

esqueço minhas mãos no fogo,
no vão de portas,
na úmida espera
de tuas coxas crepitando sonho.
no precipício de teus olhos,
brasas imolando nossos corpos,
embalsamados na tragédia.

e das cinzas faço jardim, festa
de  sentidos e despedidas.
faço trilhas de caracóis,
faço alecrim em tua nuca,
em teus flancos, entre dedos...
quase um nectar,
escorrendo,
de nossos corpos misturados
e esquecidos...

domingo, 19 de fevereiro de 2012

"Imagino a delicadeza. A subtileza.
O toque quase áereo, quase
aereamente brutal.
Ser tocado pelas vozes como ser ferido
pelos dedos, pelos rudes cravos
da planície.
Ser acordado, acordado.
porque cantar é um subterrâneo.
Depois é um pátio.
Imagino que as vozes são escadas.
vozes para atingir um canto.
O canto é meu corpo purificado."
                                            (Herberto Helder, Poemacto)

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

bukowskiano

quem me dera
envelhecer safadamente
invadindo decotes
transparências
caçando palavras
na máquina de escrever

possuindo mulheres sem nome
bebendo vinhos sem nome
devendo aluguel
em quartos
de duvidosa reputação.

quem me dera
envelhecer safadamente
largado na vida,
embriagado,
embalado nos chiados
dos discos de vinil.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Herberto Helder - Via INIMIGO RUMOR

Nieto Senetiner Syrah 2008

não não vou falar de elocubrações olfativas,
gustativas e sei lá o quê.
nem tampouco da amnésia do dia seguinte.
falo do prazer de tê-lo ao meu lado
desinteressado
companheiro
conivente
entorpecendo a alma
sem procurar respostas
só perguntas certas
veias abertas
fraturas expostas

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012


os 5 estágios da morte (da paixão)
segundo Elisabeth Kubler-Ross

negação
raiva
barganha
depressão
aceitação

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

astrologia

no ano em que nasci
Hilda Hilst foi morar
na Casa do Sol

bossa nova (pra cantar feito João Gilberto)

ponho o meu pé no corredor...
mas, você, já longe,
quanta dor...
e no peito
a ferida
que o tempo não secou.
o tempo que você pediu,
o temporal que desabou...
já faz tempo...

ponho o meu pé no corredor...
mas você, já longe,
quanta dor...
e no peito
a ferida
que o tempo não secou...
já faz tempo...

                            (19/04/1992)

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Charles Bukowski - Bluebird (Legendado PT-BR)

sem título

recomponho
nas linhas,
nas curvas,
nos desfiladeiros,
no sangue tinto
dos teus olhos, 
a exata distância, 
do canto
dos pássaros,
que, engaiolados,
vigiam a liberdade.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

não importa o fuso horário.
a viagem começa onde tudo termina.
abra o vinho.
abra as gavetas.
pode ser
que você encontre
o inimaginável.
sempre.

Vidas Secas Reloaded - argumento

"Eu te amo, porra!". era difícil não ouvir, ali do lado, na praça. no Paraíso. ELE puxou-a pelos ombros. ELA se desvencilhando. Ele repetiu com a voz trôpega, espessa, as sílabas tortas como seus passos. "Eu te amo, porra!" Os dois ali na praça, mal se mantendo em pé. A carroça, esqueleto do que foi um dia uma geladeira, encostada, cheia de papelão, quinquilharias,carcaças, vasilhames inertes. os filhos brincando perto, descalços, barrigudos. Amarrado à carroça, o cachorro assiste a tudo, impassível, com uma corda improvisada no pescoço. Sentado nas patas traseiras, parece que cochila. Não era a primeira vez que presenciava uma discussão de relação. Solidário. Conivente. ELE com o rosto vermelho, inchado, a pele coberta com aquela casca de fuligem negra da cidade, cicatriz no supercílio, vasto repertório de brigas e idas ao pronto socorro. A boca mole de alguns dentes. ELA na mesma cor e indulgência., no mesmo inchaço, os peitos murchos, uma cicatriz tosca no braço, o vestido sem esquadro que lhe serve de moldura. Inevitável a compração com Fabiano e sua troupe. Só lhes falta o papagaio. Se atracam a céu aberto, diante da indiferença de pernas e buzinas. declarações de amor de tempo incerto. Não há passado nem futuro que os consolem. Só a embriaguez do presente indecifrável. Com que sonham? Dormem? Uma cama macia? Um pasto verde com cabras? Fazem amor sob os papelões? Amanhã ELE dá um jeito nos policiais que andam enxotando a família. Nos vagabundos que aprontam de madrugada. ELE diz que a ama, e é a única verdade sob o céu que escurece. Os trovões silenciam suas palavras. Sob as árvores se juntam feitos bichos. Sob a tempestade, o silêncio. E quando chega a madrugada, ainda restando um naco de consciência, tal qual Fabiano, engole seco seus pensamentos: "Eu sou um bicho!. Um bicho!". O mundo continua a girar na cidade iluminada, nas redes sociais, nas rotativas dos jornais e na solidão da praça.

Nieto Senetiner - Pinot Noir - 2010

Descubro este argentino com alegria. Afinal, os amigos Sergio Müller e Cristiane
me presentearam com a 'bodega' inteira. sem falar nos complementos que vieram
de lambuja: 1 kg de farinha e batatas asterix. Só falta combinarmos o Nhoque.
Vinho leve, sem sobressaltos, tanino leve, notas de saudade e histórias pra contar.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

sinestesia


sugo
de teus grandes lábios,
taninos fortes,
sábios,
anestésicos...
frenesi
de papilas
e papiros...

framboesa,
cardamono,
terra molhada,
brincos de princesa,
gatos no cio.

catalogo
rolhas, rótulos,
no cofre da memória.
junto com teu cheiro,
tua língua,
teus grandes lábios furiosos,
teu suor de vinho maduro,
nalgum canto escuro...
que envelhece,
que mofa,
que fenece,
como tem que ser...
vindima inesquecível.